quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Voz, sê.


Antes da origem, só haviam o silêncio, a tristeza de um oblívio e a ausência total de cor e ação. 

Até que, como raios de sol que penetram as árvores duma floresta, você fez-se som encarnado. 

E todas as cores de um arco-íris gritaram: Olá!

E corais de anjos que nem existiam entoaram a voz mais bela já escutada.

E até mesmo a escuridão parou para ouvir tal beleza.

E de repente tudo fez sentido.

O universo se viu obrigado a ecoar todo seu amor numa explosão jamais vista e todo o futuro foi decidido em milissegundos, irrefreável.

E da poeira do seu amor me criei, e de amor me nutro, e amor respiro.

E de amor me embriago, e no amor viciei.

Que voz linda! Que maravilha aos ouvidos e corações dos afortunados que podem sentir.

Continue a cantar sua melodia da vida.

E fale.

Fale comigo.

Pra sempre!


por Izaque Valeze 

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

E.T.A




Viver é descobrir diariamente a própria ignorância
Anseio reencontrar aquela minha criança interior
Que sabe de tudo, sem se preocupar em saber nada
Destemida e imprudentemente me atirei ao mar revolto
Inundei minh'alma de sentimentos novos e inexplorados
Apesar dos avisos, cruzei o perigo
Há muito passei da fronteira e agora não lembro mais o caminho de volta
Não escolhi teus caminhos, estou perdido
Perdido, perdidamente me encontrei
Não há retorno dentro de um abraço
Entre tantas possibilidades o acaso sempre dá sua risada
Inesperado, implacável, elusivo e inevitável
Chegou

Oi, tudo bem?


quarta-feira, 19 de julho de 2023

Descarto

Penso, logo existo ou Penso, portanto sou. Traduza como quiser.

Breves e famosas palavras do francês René Descartes, sempre nos fazem pensar (que ironia!) e refletir.

Ah René! Se tivesse nascido mais à sudoeste, entre as bananas desta República, seria facilmente chamado de "seu Renê" e dificilmente teria o luxo de poder pensar se existe ou não, afinal teria que passar mais tempo tentando existir do que pensando. "Renê - funilaria e pintura automotiva", eu arrisco. Pensando bem, até que soa legal.

Então seu Renê, quando eu nasci, supostamente ganhei a vida, e por um tempo foi verdade. Enquanto eu não pensava, só reagia, eu vivi (ou me iludi), mas aí te conheci. Então não bastava mais só viver, eu tinha que existir também. E pensei. E pensei. E pensei mais um pouco. E continuo pensando. E sei que quanto mais penso mais certeza eu tenho da minha existência, não é que você estava certo, afinal?

O problema, seu Renê, é que também sei cada vez mais que eu SÓ existo. No mundo que herdamos de vocês, Clássicos, pensar é o nosso último refúgio ante a rotina de passar todo o tempo que temos construindo pontes para o pote de ouro no fim do arco-íris, só pra vermos outros atravessá-las.

Acontece que existir sem viver é algo bem triste, e a maioria de nós está tão acostumado a isso que passa a vida toda só existindo, e uns até desenvolveram a capacidade de existir sem nem mesmo pensar. Veja só, que avanço!

Por isso, seu Renê, me perdoe pela cretinice da mudança que farei em seus dizeres, mas ela é necessária.

Penso, portanto sou triste.

Penso, logo desisto.

Traduza como quiser.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Ser...

Quando seu corpo adoece você procura um médico. Quando sua mente adoece, não seria diferente, e lá fui eu... Como quem esperava o próprio parto, impacientemente esperei meu nome ser chamado, e então saí (entrei), fui bem atendido, diferente do parto, não chorei, ansiedade.
Me foi dito que pra sarar eu precisava ser menos como eu sempre fui, desde o parto, e agora precisava ser tralina — "Tá bom né, vou tentar."
Comecei então a ser tralina, realmente é algo incrível, um anestésico pra mente, quem diria que isso sequer existia, que mudança, de repente tudo era tolerável. Mundo louco, né? Fome, miséria, mortes, desespero, genocídios diários... Foda-se, agora eu era tralina. Obviamente eu continuava vendo tudo isso, não tinha ficado burro, só não ligava mais, de repente se alienar era muito fácil, porque agora eu era tralina.

Fantasia comprimida.

Foi um mês sendo tralina, até que acabou (a cartela). Eu já não era mais tralina, e o mundo real já chamava de novo, eu podia esperar por outro parto ou voltar a ser eu.
Seria bonito dizer que depois de pensar muito no assunto eu escolhi a melhor opção e vivi feliz para sempre, mas fantasia não existe, nem a induzida por comprimidos.

Eu não quero ser tralina, eu quero ser Izaque.

A sociedade vive fugindo de seus próprios problemas, parece ser mais fácil do que resolver tudo... e por fim, depois de pensar um pouco no assunto (agora sim hahahaha), você conclui que quem está doente não é só você, você percebe que você é só o produto do resto de uma sociedade tóxica que nós mesmos parimos. Pois é... já tá na hora de abortá-la e renascê-la, mas a galera não gosta desses temas polêmicos, preferem ser tralina.

Pois eu não.

Banksy (2003)


segunda-feira, 13 de março de 2023

Contos de foda-se


Era uma vez um moribundo que acordava para sofrer, e sofria até dormir. Pouco falava, porque já não tinha razão. Esquecido por Caronte entre a existência e o oblívio, perambulava imóvel noite adentro em seu barco de leito. Em raros momentos de loucura, clamava por salvação — "Eu creio." — Nem mesmo lembrava mais em quê, mas cria.

Era uma vez o mar do esquecimento, irreal e amedrontador, o maior inimigo do ego humano, sempre à espreita em nossas mentes imperfeitas, como uma mancha no dia-a-dia.

Era uma vez o senso de propósito, o Titanic contra o mar do esquecimento, nos lançamos à essa viagem, até percebermos que esse navio há muito afundou. — "Nem Deus afunda o Titanic." — Mas Ele afundou.

Era uma vez Deus, o tudo e o nada, a ordem no caos. Não nos lançamos à essa viagem, complexa demais para mentes imperfeitas.

Era uma vez um marquês que gostava de política, filosofia e de escrever sacanagens. Gozava com o sofrimento alheio, quanto mais melhor, diziam. A nós, presentou um conceito, escrachado ou sutil, mas sempre presente em algum nível.

Era uma vez uma fé no tudo e no nada, num poder consciente, humana à nossa imagem e imperfeição. Um poder que tudo vê, bondoso por definição, a última esperança.

Era uma vez a ausência, consciente e poderosa, sabia de tudo o que acontecia, e nada fazia. Sádica por definição, a última maldição.

Mas ele cria: Ele cria.