segunda-feira, 13 de março de 2023

Contos de foda-se


Era uma vez um moribundo que acordava para sofrer, e sofria até dormir. Pouco falava, porque já não tinha razão. Esquecido por Caronte entre a existência e o oblívio, perambulava imóvel noite adentro em seu barco de leito. Em raros momentos de loucura, clamava por salvação — "Eu creio." — Nem mesmo lembrava mais em quê, mas cria.

Era uma vez o mar do esquecimento, irreal e amedrontador, o maior inimigo do ego humano, sempre à espreita em nossas mentes imperfeitas, como uma mancha no dia-a-dia.

Era uma vez o senso de propósito, o Titanic contra o mar do esquecimento, nos lançamos à essa viagem, até percebermos que esse navio há muito afundou. — "Nem Deus afunda o Titanic." — Mas Ele afundou.

Era uma vez Deus, o tudo e o nada, a ordem no caos. Não nos lançamos à essa viagem, complexa demais para mentes imperfeitas.

Era uma vez um marquês que gostava de política, filosofia e de escrever sacanagens. Gozava com o sofrimento alheio, quanto mais melhor, diziam. A nós, presentou um conceito, escrachado ou sutil, mas sempre presente em algum nível.

Era uma vez uma fé no tudo e no nada, num poder consciente, humana à nossa imagem e imperfeição. Um poder que tudo vê, bondoso por definição, a última esperança.

Era uma vez a ausência, consciente e poderosa, sabia de tudo o que acontecia, e nada fazia. Sádica por definição, a última maldição.

Mas ele cria: Ele cria.



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